26 maio 2015

Pública

Pública é a banda de rock gaúcha mais interessante e envolvente que surgiu na última década. Emana um misto de horizonte juvenil com uma aura saudosista.


"Tenho saudade da vida passada,
Dos velhos amigos, as mesmas risadas,
Mãos e conversas em volta da mesa,
Que agora calada, recorda a tristeza."

16 maio 2015

Caio e Vânia: integração cultural através da dança


“São Borja é uma cidade missioneira e fronteiriça ao mesmo tempo, e o Chamamé representa a união entre o Brasil e a Argentina.”

Assim Caio Benevenuto enfatiza o papel que sua terra natal teve na sua paixão pela dança. Luiz Carlos Benevenuto é professor de danças folclóricas gaúchas e em poucos minutos de conversa ele já deixa transparecer sua paixão pelo Chamamé, estilo de música e dança comum na província de Corrientes, na Argentina. Também cultuada no Paraguai, e no Brasil; pelos gaúchos, pelos sul mato-grossenses e paranaenses.

O Chamamé teve procedência dos povos indígenas guaranis, de espanhóis e imigrantes italianos.  O encontro dessas culturas deu origem ao gênero musical. Mas, Caio também tem outra paixão: sua parceira de dança e esposa, Vânia. Eles se conheceram há 23 anos. E o destino já estava traçado, pois foi numa pista de baile que se encontraram pela primeira vez. A dança os aproximou e os mantêm juntos até hoje. “Desde esse nosso primeiro encontro nós viemos dançando juntos. A dança faz parte da nossa história de união”, afirma Caio.

Para o casal, mais do que o prazer de dançar, eles têm nela um elemento essencial de estímulo, a tal ponto que hoje, eles representam o Chamamé rio-grandense e a cidade de São Borja em competições nacionais e internacionais de danças tradicionalistas.

A paixão pela dança surgiu quando Caio ainda era guri. “A dança me acompanha desde a minha infância. Minha mãe gostava muito. Meu avô era cigano e ciganos gostam de danças. Meu pai era um espanhol, então eu tenho uma procedência. Tá no sangue.” Mas, esse amor teve um empurrãozinho, na verdade, pelo futebol. Afinal, não fosse pelas três cirurgias no joelho, ele não ouviria a recomendação que mudaria sua vida. “Um médico de Santa Maria me disse, há treze anos, que eu não tinha mais capacidade de jogar futebol. Só que eu deveria fazer algum exercício. ‘Vai dançar dança de salão’, ele me disse. ‘Esse vai ser um exercício muito bom pra ti. Mas não o faz só nos finais de semana. Pratica a dança’. Então comecei a exercitar em casa, com a minha mulher”. Essa prática tornou-se rotina, e como diz o ditado ‘a prática leva a perfeição’, eles ficaram motivados em participar de apresentações na cidade, mas foi num evento artístico, no Piquete Portal da Querência, que a dupla recebeu o primeiro elogio: “Vocês têm algo na dança que os diferencia na pista”, analisou um radialista. E de fato, para quem já teve oportunidade de vê-los dançando concordariam com o comentarista. Percebe-se que levam a dança mais do que apenas distração, mas também como realmente algo importante e prazeroso. O elogio os incentivou, servindo como força para seguirem o caminho dessa arte milenar: a materialização da música através dos passos e dos movimentos.

Eles escolheram se especializar no Chamamé. Para Caio o entusiasmo nasce não só do ato de dançar, mas também do estudo do ritmo, do que ele representa, e, principalmente, de como senti-lo. Para ele, tem que se conhecer a história do folclore, do estilo e o que ele representou para seus criadores e representa para seus praticantes. “O Chamamé nasceu na tribo Caiguá, dos índios Guaranis. E era um ritual que se agradecia aos Deuses. Por isso que quando eu e a Vânia estamos bailando costumamos agradecer aos Deuses do Chamamé por tudo àquilo que recebemos. Quando estamos dançando um Chamamé ou qualquer outro ritmo gaúcho sempre é com muito sentimento”.



O Chamamé é uma cultura que predomina mais na região missioneira da Argentina. Especificamente na província de Corrientes, que são vizinhos mais próximos do Rio Grande do Sul, facilitando a influência na música gaúcha. Dessa forma, o estilo artístico serve como um fator em potencial de integração entre o Brasil, a Argentina e o Paraguai. Caio e Vânia, que convivem nesse meio relacional, por meio das diversas participações de eventos nos países vizinhos, veem o Chamamé como uma conexão entre esses povos. Um mesmo ideal pela arte. O mesmo sentimento de pertencimento missioneiro. “Mais do que um ritual indígena, hoje, o Chamamé é uma dança de salão, que aqui no Rio Grande do Sul vem crescendo muito e vem unindo países. Porque a porteira do Mercosul, através da arte e da cultura, está sempre aberta. Na parte cultural não há inimigos. Não há adversários, e sim uma união. Nos sentimos irmanados. Todas as vezes que participamos de festivais na Argentina somos recebidos como chamigos, irmãos correntinos que estão ali praticando a dança deles. Eles se orgulham de ter um par são-borjense, fronteiriço, como campeões chamameceros”, compartilha o dançarino.

Como pesquisador da cultura musical gaúcha, Caio ensina que “nós temos a Vaneira, o Xote e a Milonga, que é uma dança romântica. A Milonga para o gaúcho é como se fosse um Tango, que o gaúcho namora sua dama. Se executa muito pouco a Milonga nos bailes. Nós temos Mazurca, temos Terol, temos Polca, temos Contrapasso, Marcha, e temos a Chamarra que é uma música missioneira. A Chamarra expressa às missões, e não se executa em fandango. No fandango vocês vão escutar somente Vaneira e Xote, difícil se tocar uma Milonga. A Valsa também é muito pouco executada, sendo que ela é a primeira dança de par enlaçado. Até foi proibida antigamente, era vista com indecência. A Valsa deveria ser executada porque é a mãe da dança de salão. O repertório gaúcho é muito amplo e muito pouco divulgado e executado. No fandango não se vê a diversidade que nós temos. Inclusive o ritmo mais rio-grandense é o Bugio, que é pouco executado. O Bugio é uma dança que nasceu aqui no Rio Grande do Sul e que deveria fazer parte de todo o fandango. O Bugio, a Vaneira, o Xote, a Rancheira, as coisas do Rio Grande ficam restrito aos Centro de Tradições Gaúchas (CTGs) que, com muita honra digo isto, são os que cultivam as nossas tradições, porque senão elas seriam esquecidas, estariam em segundo plano. As rádios deveriam executar muito mais nossos ritmos para que o público ouvisse e também gostasse. Vamos colocar o Bugio nas rádios até o pessoal pegar gosto!”, convoca entusiasmado.

Caio também lembra que o termo sapucay, tão falado pelos gaúchos, principalmente durante as apresentações, normalmente não é conhecido pelas pessoas de outros Estados. Nem imaginam o que significa, até escutarem. Caio descreve o real sentido da palavra: “Nós que estudamos a cultura argentina e a cultura do Chamamé temos o sapucay como realmente o grito da alma. Se você me pedir pra soltar um sapucay agora, eu não vou fazer isso. Porque ele não se treina, o sapucay nasce do sentimento de ouvir um Chamamé, no momento de emoção quando você está bailando. E bailar é viver aquele momento. Você sente a necessidade para que aquilo venha espontaneamente. O sapucay é um sentimento a ser expresso em agradecimento aos Deuses.”

A dança tem levado a dupla a lugares distantes, tanto aqui no Rio Grande do Sul, como em Santa Catarina, e principalmente, na Argentina. E nessas viagens costumam trazer a tiracolo muitas conquistas inéditas, Em 2010 foram campeões do 46º Festival do Folclore Correntino, na cidade de Santo Tomé. Ocasião em que concorreram com 16 pares argentinos. Este prêmio os credenciou no mesmo ano a participar do 21º Festival Mundial do Chamamé, na cidade de Corrientes. Na oportunidade, dançaram no Teatro Transito Cocomarola, considerado pelos argentinos o Templo do Chamamé. Desta vez trouxeram o título de sub-sede internacional de Chamamé para São Borja e Santo Tomé. Com esse láureo, São Borja passa a ser a única cidade fora da Argentina a ser uma sub-sede chamamecera. Em março de 2012 foram até a cidade de Goya, na Argentina, distante 460 km de São Borja, concorrer no 22º Baila Chamamé, e novamente foram vitoriosos.

Premiação em Goya, Argentina

“Eu fico aguardando o momento de ser convocado para um festival ou para ir fazer uma apresentação artística na Argentina, em Santo Tomé, que é aqui na nossa divisa, pela maneira de eles nos receberem, de nos respeitar e respeitar as coisas do nosso Estado. A nossa arte, a dança e a indumentária são vistas. Eles se encantam com tudo isso. Quando nós participamos dos festivais geralmente nem é pronunciado o nome do bailarino, e sim a cidade: é Rio Grande do Sul, a cidade de São Borja, Brasil. E isso nos orgulha muito. Representar o nosso país e essa cidade que a gente ama tanto”, orgulha-se Caio.

Sempre que a dupla se apresenta, seja competindo ou não, costumam levar como músicas temas, canções de artistas de São Borja, e que cantem a cultura missioneira. Uma forma de valorizar ainda mais a identidade e a arte criada na cidade. “Quando saímos para dançar sempre procuramos levar músicas que falam das nossas coisas, das missões: os Chamamés missioneiros, os Rasguidos Dobles missioneiros e as Valsas missioneiras. Nós temos uma cultura musical bem diversificada na parte missioneira. E eu sempre levo porque eu tenho essas músicas como um hino, elas nos emocionam quando tocam. A gente se sente parte dela. E o bailarino precisa ser motivado quando está no palco. E essas canções são fundamentais. Talvez esses Deuses missioneiros são os que têm nos levado a ganhar esses títulos internacionais.”

Mas, como sempre, o sucesso tem suas adversidades. Caio diz que quando estão dançando em um baile gaúcho sente muitas vezes olhos de desdém de algumas pessoas: “Quando vamos num fandango, alguns não gostam do casal Caio e Vânia. Eu até compreendo, porque nós dançamos na pista como dançamos numa competição, não para aparecer, mas porque isso já é natural para nós. Às vezes comentam que queremos ser diferentes. Mas, nós fazemos aquilo que o nosso corpo e a nossa mente pedem. Não é porque queremos nos destacar em pista de baile. Nós queremos nos sentir a vontade com os outros. Mas o diferencial é apenas que a gente exercita mais e isso trás uma diferença na pista. A qual muitos admiram e muitos não veem com bons olhos”, desabafa Caio.



O misto de dedicação e talento da dupla são-borjense lhes rendeu a entrada no balé Cruz de Papel, da cidade de Curuzú Cuatiá, na Argentina. O grupo é composto por 40 casais correntinos e um brasileiro e é visto como um dos mais representativos da Argentina. Há treze anos se apresentam como o balé oficial no Festival Mundial de Chamamé. A iniciação nesta companhia fez com que tivessem a necessidade de uma carga mais rigorosa de ensaios, mais concentração nos passos, pois o grupo trabalha com Chamamés coreografados e sincronizados; diferente das danças dos bailes gaúchos. “A partir do momento que passamos a fazer parte desse balé, daí sim, nós começamos a praticar a dança artística mesmo. O Chamamé começou a fazer parte do nosso dia-a-dia em trabalhos específicos de coreografias.”

Cada vez mais aumenta para a dupla os compromissos com a dança. As viagens para o país vizinho há tempos não são mais novidade. Já se sentem meio argentinos meio brasileiros. Ao ponto de durante suas falas misturarem as duas línguas. Quando se dão conta estão conversando em “portunhol”.

“Ficamos felizes em saber que São Borja é a 1ª sub-sede de Chamamé, 1ª cidade a ter uma dupla campeã de Chamamé e é a 1ª cidade a integrar o ballet mundial por dois anos. E este é um trabalho nosso para São Borja. A dança para nós não é um baile, é um culto a Deus, ao Deus da musica, ao Deus do ritmo. Quando estamos a bailar nos sentimos em outra dimensão. Nós nos dedicamos a esta arte, a essa cultura com tanto amor. Nós não vamos competir por dinheiro, nós vamos competir principalmente por essa integração do Mercosul e para que seja conhecida a nossa arte fora do nosso país”, finaliza o casal.