18 junho 2012

Os Dinâmicos inesquecíveis



Quando perguntamos para um são-borjense do meio musical da cidade, quais eram as bandas que São Borja teve no passado; certamente ele vai citar o nome Os Dinâmicos. Isso porque esse grupo fez história. E uma longa história.

Os Dinâmicos foi um dos grupos de baile seminais de São Borja. Antecede Os Soprantes e Os Sheiks. Foi o berço de muitos músicos da cidade e talvez o grupo são-borjense que ficou mais tempo em atividade.

A banda surgiu na metade da década de 1960, no bairro do Passo. Bairro conhecido como um dos que mais revelaram e revela músicos e bandas de qualidade, por conta da presença das bandas de escola. E Foi a partir de uma, a Banda do Colégio Olavo Bilac (antiga Banda Cesar Pitoni, e hoje, Banda Municipal Tusnelda Lima Barbosa), que Alberto Roque Matoso (sax), Errol Nunes Caetano (trombone) e Algemiro Moiano Ribeiro (mais conhecido como Canário - bateria); se aventuraram a criar um conjunto próprio para baile. Na época, a diretora da escola era a professora Tusnelda Lima Barbosa, que acabaria sendo a figura chave para a fundação da banda.

Alberto Roque Matoso, um dos criadores do grupo conta como foi o inicio de tudo: “A nossa turma era toda da banda do colégio e quando eu levei para a professora Tusnelda o projeto de fundar o conjunto pra baile, ela nos deu todo o apoio; desde que a turma fosse toda da banda do Olavo Bilac. Agradeço muito a ela, até hoje”.

Matoso lembra que os instrumentos que a banda tocava eram todos da banda do colégio. Ela, a professora Tusnelda, emprestava os instrumentos e também uma sala de aula para fazerem os ensaios: “Nós ensaiávamos numa sala do Olavo Bilac. Terminava a aula às cinco e meia, então ensaiava a banda da escola, e quando terminava o ensaio da banda da escola era a vez d’Os Dinâmicos”.

Uma das primeiras formações da banda, além do Matoso, do Errol Nunes Caetano e do Canário, completavam a equipe o Joel Nascimento (contrabaixo), José Alves e Luis Ferreira Jardim (Pato). Nessa época, bem no inicio, Matoso conta que a banda não tinha instrumentos eletrônicos, só tinham bateria, bumbo, surdo, caixa, instrumentos da banda do colégio mesmo. Tocavam somente música orquestrada. A partir daí que surgiram Os Dinâmicos. “Não tínhamos meios financeiros. Não tínhamos instrumentos. Tudo era da banda do colégio. Bateria não tinha. Mas tínhamos um bumbo, que ela nos permitiu fazer um furo pra colocar um prato. O Canário tocava no Clube Comercial nas boates sentado num engradado de Coca Cola, porque não tinha banco. Só bem depois que a banda foi modificando e se profissionalizando. Fomos evoluindo aos poucos”, lembra o fundador e líder do conjunto.

Uma recordação interessante que Matoso compartilhou é de que a banda, na época da escola ainda, se locomovia por meio do transporte urbano mesmo: “(...) tinha um ponto de ônibus bem na frente da escola. Cada um pegava seu instrumento, eu pegava o sax, o João Carlinhos pegava o trompete dele, o Canário pegava um bumbo, uma caixa e um prato, subíamos no ônibus e íamos tocar no comercial. Na época a gente não tinha esses recursos. A gente descia do ônibus, carregávamos os instrumentos e íamos tocar no clube.”

 Os Dinâmicos nos seus primeiros anos


Com o passar do tempo, Os Dinâmicos foram sendo requisitados cada vez mais para se apresentarem.
“Nós começamos tocando em bailes no Clube Fraternidade, depois subimos para o Clube Recreativo e lá tocamos durante 25 carnavais consecutivos; só bem depois passamos a tocar no Clube Comercial. Até irmos tocar no Recreativo a gente não tinha tocado carnaval ainda, a gente tocava em bailes. Nosso conjunto era um grupo de baile”, explica Matoso.

Os Dinâmicos presenciaram e animaram por toda a sua existência os bailes da cidade. As festas macabras, a famosa fase das luzes negras (em que as roupas brilhavam no escuro), os bailes dos bichos, as reuniões dançantes nos domingos, as apresentações nas escolas... Também embalaram sempre o carnaval da cidade, tanto o de rua, como o de salão. Isso em tempos em que os bailes de carnaval tinham mais glamour. Na época em que começavam a meia-noite e acabavam às cinco da manhã. Do tempo que os grupos puxavam os blocos das ruas e adentravam no salão com os foliões pulando. Quando os integrantes dos conjuntos se diferenciavam do público pelas roupas e fantasias coloridas. Uma época áurea que foi se dissipando aos poucos.

Os Dinâmicos no ano de 1972, em mais uma de suas famosas entradas no carnaval do Clube Recreativo: Errol Nunes Caetano, Zé de Sousa, Matoso e João Moiano


O grupo tocava em toda a região. Em Itaqui, Uruguaiana, São Luiz Gonzaga, Jaguari, Alegrete, Santo Antônio das Missões. “Fazíamos toda essa região. E em épocas difíceis que não tinham estrada. Para irmos tocar num baile em Jaguari, nós levávamos quase um dia para chegar. Viajávamos em duas Kombis, uma carregando o pessoal e a outra os instrumentos”, recorda Matoso.

Foram muitas vezes contratados para se apresentarem para nossos hermanos também. Fizeram muitos shows em Posadas e em Santo Tomé, essa principalmente. Acabava o carnaval daqui e iam animar o de lá.

Nessa época, os bailes com conjunto eram muito mais frequentes do que hoje. Até pelo fato do som mecânico não ter chegado ainda. A demanda exigia dedicação: “Nós ensaiávamos na minha casa, até quatro horas por dia. Isso todos os dias da semana. Tocávamos quarta, sábado e domingo. Mas naquela época era muito melhor do que agora. Hoje a coisa anda mais difícil pra música. Existiam muito mais clubes em São Borja. O mercado era muito grande. A gente não vencia. Chegamos até recusar contratos”, conta Matoso.

Por ser um conjunto de baile, o repertório d’Os Dinâmicos era variado. Tocavam os sucessos do momento da música nacional e internacional. The Fevers, Renato e Seus Blue Caps, Os Incríveis, eram só algumas das bandas que tocavam. Matoso conta também que trouxe três músicos de Santo Tomé para tocar na banda; um cantor, um tecladista e um contrabaixista. Isso com o intuito de executar músicas da banda uruguaia Los Iracundos, que fazia muito sucesso na época. A lambada e os sambas-enredo das escolas do Rio de Janeiro faziam parte da lista de músicas também.

No carnaval, obviamente, tocavam só samba. Na época não existia o axé music. As músicas de artistas locais, as que concorriam nos festivais de músicas para o carnaval da cidade, o grupo incluía no repertório.  “Digamos que 30% do repertório d’Os Dinâmicos eram musicas daqui de São Borja, de autores daqui, defendidas por nós no festival ou não. A vencedora marcha, a vencedora samba, as vezes alguma outra lá que não ganhava mas que achávamos que era melhor da que ganhava. Todas essas nós colocávamos no repertório,  como por exemplo: o samba “Dia - a – Dia”, do Clemar Dias. Foi um samba que marcou. Nós tocávamos essa música sempre. Daí a  importância desse festival”,

Não fosse pelas fotografias, seria muito difícil recordar detalhes sobre a banda. Mesmo com as fotos, Matoso tem dificuldade de lembrar do nome de todos os integrantes que passaram pela banda. Afinal, pelas suas contas, passaram 63 músicos pelos Dinâmicos, em todos esses anos de história. “Dos que iniciaram comigo, somente dois não saíram. Da época da fundação só o Canário e o Caetano que foram até o final, os outros foram sempre trocando.”

Muitos músicos são-borjenses participaram d’Os Dinâmicos. Nomes como: Lady Mendonça, Alfredo Ramos, Joel Nascimento, João Moiano Ribeiro, Mário Nei Bitencourt, Dorival Pimentel, Adalberto de Oliveira, Paulo Vicente, João Carlos Lopes, Luis Ferreira Jardim, José Alves, Eraldo, Vitor Ramires, Luiz Eriberto Brum, Jorge Dornelles, César Lindemeyer, José Nairo, Paulo Pires, Roberto Durão, Claudia Durão, Zé de Souza, entre muitos outros.

 O conjunto numa de suas inúmeras formações, no palco do Clube Esperança: Mário Nei Bittencourt, Sérgio Sousa, Cláudia Durão, Canário, Roberto Durão, Lady Mendonça, Matoso e João Moiano


Faltavam músicos na banda, Matoso ia sempre atrás. “O grupo teve integrantes de outras cidades, de Porto Alegre, Santa Maria, Santo Ângelo, São Luiz Gonzaga, Itaqui e Uruguaiana. Até um uruguaio e um carioca cantaram na banda. De Uruguaiana nós tivemos o Caco, um tecladista cego, até hoje não conheci um melhor que ele; o Antão, tecladista e gaiteiro; e o Nonato, que cantava um samba como ninguém. De Itaqui veio o Sérgio Wagner de Sousa (atualmente toca nos Angüeras e acompanha o Mário Barbará), o Dodô (contrabaixista), o Sapo (Anadir Bacelar).”

Na década de 1970, existiu uma grande ligação entre Os Dinâmicos, Os Soprantes e Os Sheiks. Um foi dando surgimento ao outro. Através da troca que ocorria de integrantes entre as três bandas. Matoso recorda até de uma ocasião de solidariedade que ocorreu certa vez: “Os Sheiks, uma época, estava se apresentando no Clube Fraternidade nos sábados. Num desses bailes, o conjunto se acidentou na vinda, na esquina do Posto Ipiranga. No dia domingo, eles tinham uma reunião dançante no Clube Sete de Setembro. Eles não puderam tocar, por terem se acidentados, e então, nós (Os Dinâmicos) os substituímos e no dia seguinte entregamos o cache para eles”.

Outro período que Matoso se orgulha de rememorar era quando tinham um programa de calouros no Cinema Presidente, nos sábados à tarde, na extinta rádio Fronteira do Sul: “Nós ensaiávamos com os calouros, o Cerzo Brites e o Boni Lima faziam o aparato todo pra transmitir o programa, e o professor Ivonie Marques apresentava. Entravamos com os calouros pra ensaiar e acompanhá-los durante o programa. Fizemos isso por muito tempo. O cinema lotava sempre.”

Durante 37 anos de existência Os Dinâmicos nunca pararam. Mudavam os integrantes, mas nunca deixaram de tocar. Conseguiram resistir a fase do som mecânico, que pôs fim a muitas bandas da região. Talvez por se apresentarem bastante em outras cidades tenha contribuído para a longa carreira do conjunto.

“Fomos sempre bem recebidos nas cidades em que tocamos, e na argentina também. Sempre procuramos trabalhar bem, colocar qualidade, responsabilidade, com profissionais bons; porque manter uma equipe boa, de confiança, não é fácil. Tem que ser profissional mesmo, e a gente foi crescendo assim e fomos indo. Ficamos todo esse tempo aí porque sempre procuramos fazer um trabalho bem feito. O melhor que podíamos”, conclui Matoso.

Encerraram as atividades por volta de 2004. Os tempos eram outros e não existia mais uma valorização como antes. Mas quem viveu aqueles tempos dificilmente vai se esquecer dos bailes e carnavais animados pelos Dinâmicos.

 Início dos anos de 1970, no Clube Recreativo: Matoso, João Carlinhos, José do Nascimento e Canário



Musiviola: o papa-títulos do Festival de Carnaval

Os Dinâmicos também se apresentavam nos festivais de musicas para o carnaval da cidade. Porém, na maioria das vezes, subiram ao palco com a alcunha de Musiviola. Apresentaram-se também como O grupo.

O Musiviola (que era originalmente o nome da escola de música de Sergio Wagner de Souza, integrante do conjunto) ganharam quase todas as edições que participaram. De acordo com Matoso, chegaram a ganhar 11 anos consecutivos. “Nós ganhávamos, às vezes, em marcha e samba. E também por melhor intérprete, melhor arranjo e melhor instrumentista. As letras, em sua maioria, eram do Caéco Batista e do Otorino Côvolo.”

As músicas que a banda defendia nos festivais prontamente entravam no repertório d’Os Dinâmicos para os bailes de carnaval. Algumas conquistas e sucessos do grupo foram: “A Pau e Corda” (samba- letra e música de Otorino Côvolo e Sergio Souza); “Rimas e Penas” (marcha - letra de Jones Martins e Otorino Côvolo e música de Sérgio Souza); “Igual Cigarra” (samba – letra de Eugênio Dutra e música de Sérgio Souza), “Faixa, Saudade e Carnaval” (marcha de autoria de Otorino Côvolo),“Palhaços” (marcha - com letra de Caéco Batista e música de Sérgio Souza), “A Mesma História” (de autoria de Nivea Fonseca Mendes e João Carlos Lopes), “Uma Pequena Marcha Para Um Grande Amor” (marcha - letra de Otorino Côvolo e música de Sérgio Souza, e o samba “Promorar” (letra de Eugênio Dutra e música de Sérgio Souza).